Dicas para escrever bem: reflexões a partir de Elena Ferrante

Escrever bem é uma habilidade valorizada em diversos contextos, desde a produção e conteúdos online até a criação literária.
No entanto, a busca pela autenticidade e pela profundidade na escrita muitas vezes pode ser comprometida pelo medo de errar e ser uma fonte de ansiedade para os aspirantes a escritores, e mesmo para quem já escreve constantemente.
A italiana Elena Ferrante, que reúne mais de 15 milhões de leitores em todo o mundo e já escreveu obras famosas sob este pseudônimo, é conhecida por seus escritos que abordam principalmente personagens femininas. Ela oferece diferentes insights sobre o processo de escrita no livro “As margens e o ditado”.
As observações da autora podem servir como guia para aqueles que desejam aprimorar suas habilidades e expressar suas ideias de forma mais conectada com o próprio “eu” e, também, de acordo com o sentido que a escrita tem para cada um.
Neste artigo, trago alguns pontos abordados no livro e faço reflexões a partir deles. Então, continue lendo para conhecer dicas para escrever bem a partir de algumas questões que Ferrante traz no livro.
Sumário do post
O eu e o pensamento
Elena Ferrante afirma no livro “As margens e o ditado” que:
“(…) o eu de quem quer escrever se separa do próprio pensamento e, com essa separação, vê aquele pensamento. Não é uma imagem fixa e definida. O pensamento-visão se mostra como algo em movimento”.
A relação entre o “eu” e o pensamento é um tema multifacetado, especialmente no contexto da escrita. Quando Ferrante menciona que “o eu de quem quer escrever se separa do próprio pensamento”, podemos refletir sobre o intrincamento ou a dificuldade da presença do escritor, de como suas ideias fluem ou se perdem.
O “eu”, considerado como a essência do ser humano, é a instância que percebe, sente e age. Por outro lado, o pensamento é o fluxo contínuo de ideias, reflexões e emoções que nos atravessa.
Essa separação entre o eu o escrever pressupõe que há uma distância que permite ao autor observar e articular suas ideias, como se pudesse se examinar sendo outro e ao mesmo tempo sendo ele mesmo. Sugere, além disso, que o ser humano não é um ente homogêneo, mas uma multiplicidade de vozes internas.
O “eu” do escritor, ao se distanciar do pensamento, se torna um observador. Essa constatação é interessante no sentido de que o autor pode observar com um certo afastamento suas emoções, experiências e reflexões sem a concordância imediata de sua subjetividade.
Essa forma escrita pode abrir espaço para um diálogo interno, em que o autor pode questionar e reinterpretar suas vivências de ângulos distintos. Tal dinâmica também pode influenciar o estilo e a voz do autor.
Entre as dicas para escrever bem, outra questão é entender a natureza do pensamento em movimento. O pensamento não é uma entidade estática; ele está constantemente sendo alvo de informações e ideias.
Em vez de ser uma entidade fixa, é dinâmico, fluido. Esse fluxo nos permite perceber a realidade de maneiras múltiplas. Ao nos depararmos com um obstáculo, por exemplo, não apenas o observamos, mas também o interpretamos, o contextualizamos e o reimaginamos.
E, ainda sobre o “pensamento-visão como ideia em movimento”, é possível inferir que, em vez de buscar respostas definitivas, podemos nos permitir explorar de diferentes maneiras questões que nos parecem bem solidificadas e questionar nossas próprias suposições.
Quando escrevemos a bússola pode perder a agulha
A bússola é tradicionalmente entendida como um instrumento que nos guia e nos permite navegar por caminhos desconhecidos. No entanto, ao escrever, ao criar, podemos nos desviar do nosso propósito inicial.
Apesar disso, a escrita é também um ato de liberdade e, portanto, nem sempre precisa de uma bússola. Ao colocar ideias no papel, muitas vezes nos deparamos com a necessidade de seguir um caminho retilíneo, uma linha de raciocínio que nos mantenha focados.
Para quem busca dicas para escrever bem, ressalta-se que a criatividade na escrita não se limita a trilhas bem definidas, como em geral acontece com escritas mais técnicas.
Ela pode nos levar a buscar roteiros imprevistos, e a bússola, simbolizando a lógica e a razão, pode se perder. Essa dualidade entre liberdade criativa e necessidade de orientação é um dilema que muitos escritores enfrentam.
A agulha que se perde pode ser vista como uma metáfora para a confusão que muitas vezes permeia o processo criativo. Quando nos deixamos levar pela inspiração, podemos nos deparar com um emaranhado de ideias, e o sentido do que buscamos pode se tornar nebuloso.
Essa complexidade pode ser tanto uma dádiva quanto uma maldição. Por um lado, a liberdade de explorar novas direções pode resultar em insights únicos ou em um mosaico de significados. Por outro, a falta de foco pode levar a um resultado final que carece de unidade ou de ordem no caos criativo.
Contudo, a agulha pode estar perdida, mas isso não significa que não possamos traçar novos caminhos.
Escrita diligente x escrita impetuosa
Ferrante afirma no livro que ela é movida por dois tipos de escrita, a diligente e a impetuosa. Veja a definição desses termos no dicionário Dicio:
Diligente: que é zeloso, cuidadoso; repleto de diligência; que possui ou demonstra rapidez ou ligeireza na realização de alguma coisa; prontidão.
Impetuoso: característica de quem demonstra, em sua maneira de agir, falta de reflexão; que age sem pensar; característica daquilo que possui caráter irritável.
A escrita diligente, que pode ser entendida como uma abordagem de certa forma metódica, é feita dentro das margens verticais do caderno. Por outro lado, a escrita impetuosa pode ser interpretada como sendo marcada pela espontaneidade e pela urgência.
Nesse caso, as palavras fluem sob um ímpeto impulsivo, como se escrevêssemos sem nos preocupar com as margens. Ferrante menciona as margens do caderno ao descrever sua experiência escolar: as margens eram vermelhas e a ideia era não ultrapassá-las.
Embora essas abordagens possam parecer opostas – da escrita diligente e da escrita impetuosa – a autora sugere que elas coexistem e se complementam. A escrita diligente pode ser entendida como o caminho tradicional para a produção textual. Ela envolve pesquisa, esboços e revisões, permitindo que o autor refine suas ideias e construa um “argumento” coeso.
No entanto, a rigidez desse método pode, em alguns casos, sufocar a criatividade. A pressão para ser metódico pode levar à paralisia criativa, e a busca pela perfeição pode impedir que as ideias se manifestem livremente.
Por outro lado, a escrita impetuosa traz à tona um certo tipo de energia que move nossas ideias. É um ato de entrega, no qual o autor se permite adentrar nos meandros das palavras sem o peso da autocensura. Essa forma de escrita pode resultar em uma voz mais autêntica.
Para quem busca dicas para escrever bem, a combinação da diligência com a impetuosidade pode gerar um processo criativo mais fluido e de acordo com o que o autor deseja expressar. A verdadeira maestria na escrita pode, portanto, residir na capacidade de navegar entre esses dois modos, utilizando cada um em seu devido tempo.
Tudo o que estimula casualmente o nascimento de uma narrativa está lá fora
As narrativas não surgem apenas de um processo interno de reflexão, mas vêm também de observações e experiências do mundo ao redor, do ambiente que nos cerca, da sociedade e suas dinâmicas, da realidade compartilhada, das histórias alheias, da natureza, das interações humanas, de pequenos detalhes que passam despercebidos e de tudo o que externo a nós.
O que está do lado de fora oferece um vasto campo de possibilidades narrativas. Cada interação ou cena observada pode ser um ponto de partida para uma nova história.
A capacidade de um escritor de perceber esses detalhes e transformá-los em enredos é uma habilidade que pode ser cultivada. Assim, o ato de escrever se torna também um exercício de observação e interpretação.
Entretanto, essa busca por estímulos externos não deve ser confundida com a ideia de que a inspiração é sempre algo que deve ser encontrado. O que está “lá fora” pode ser tanto uma simples cena de rua quanto uma conversa entre estranhos.
A verdadeira essência da narrativa pode residir na maneira como o escritor interpreta e contextualiza essas experiências. A habilidade de transformar o banal sob uma perspectiva única pode ser o que distingue uma ideia que foi capturada e outra que se perdeu no espaço.
A frase também remete à questão da curiosidade. Para quem busca dicas para escrever bem, a disposição para observar e questionar o que não está circunscrito no espaço em que a pessoa escreve é um combustível para a criação narrativa. Um escritor curioso está sempre em busca de novas histórias, novos ângulos e novas verdades.
A narrativa não é apenas um produto do autor, mas uma colaboração contínua entre o escritor e o seu universo. Há sempre algo à espera de ser descoberto e contado.
O narrador é sempre um espelho deformador
Existe uma relação entre a narrativa e a subjetividade do narrador. O narrador não apenas relata eventos, mas também os interpreta, filtrando-os através de suas próprias experiências, crenças e emoções.
Nesse sentido, a deformação em relação à realidade é inevitável e, de certa forma, essencial para a construção da narrativa. O que se apresenta como uma verdade objetiva é, na verdade, uma versão moldada por quem a conta.
A ideia de que o narrador é um espelho implica que a narrativa pode refletir não apenas a história, mas também a visão de mundo do narrador. Essa perspectiva leva a entender que cada relato é, em última análise, uma construção.
Um narrador pode escolher enfatizar certos aspectos da história enquanto minimiza outros, criando uma versão que pode ser mais conveniente, acolhedora, provocativa ou o contrário.
Acima de tudo, o conceito de um “espelho deformador” sugere que a realidade apresentada na narrativa pode ser distorcida. Penso que essa distorção pode ocorrer de várias maneiras: através da memória falha, da emoção intensa, de interpretações subjetivas, de perspectivas enviesadas, de expectativas não correspondidas, de influências externas, entre outras.
Entretanto, essa deformação não é necessariamente negativa. Em muitos casos, ela enriquece a narrativa, permitindo que os leitores busquem diferentes perspectivas e compreendam a multiplicidade de interpretações possíveis no que se refere à subjetividade inerente às emoções, à essência dos conflitos e aos dilemas humanos, além da fragilidade e da força coexistentes nas diversas situações que vivenciamos.
A ideia de “espelho deformador” sugere que a narrativa é um espaço de construção e desconstrução. Se você está à procura de dicas para escrever bem, vale lembrar que o que é considerado verdade em um contexto pode ser completamente reavaliado em outro.
Essa fluidez é uma característica intrínseca da literatura, em que uma mesma história pode ser contada de várias maneiras, dependendo do narrador.
A escrita é estimulada por outra escrita
A ideia de Ferrante de que “a escrita é estimulada por outra escrita” revela a interconexão intrínseca que existe entre as obras literárias e a forma como elas influenciam umas às outras. Desde os primeiros registros da literatura, os autores têm dialogado com as vozes que os precederam, reinterpretando, subvertendo ou expandindo ideias.
A influência mútua entre textos pode ser vista em várias formas, como em referências diretas, citações ou na adoção de estilos e gêneros similares. Um escritor pode se inspirar em um clássico da literatura, mas também pode ser impactado por obras contemporâneas.
Essa dinâmica cria um ecossistema em que cada nova obra ou texto é, em certo sentido, uma resposta ou uma continuação de um diálogo que já está em andamento, mesmo quando o autor busca uma voz única.
Além disso, essa ideia nos faz enxergar a importância da leitura no processo criativo. A leitura não é apenas um meio de absorver informações, mas é também uma forma de entender diferentes estruturas narrativas, estilos e temas.
Ainda sobre dicas para escrever bem, a intertextualidade é uma manifestação clara dessa relação entre contextos, entre o passado e o presente, entre a individualidade e a coletividade, entre o que já foi escrito e o que está por vir.
O conceito sugere que toda criação é, de alguma forma, influenciada por outras. Essa rede de referências cria um espaço no qual significados se sobrepõem, mas também pode oferecer uma nova perspectiva sobre o que já foi produzido.
O acaso põe em movimento tanto obras menores quanto grandes obras
O acaso emerge como um fator muitas vezes subestimado. É possível inferir que a criatividade não é sempre um produto de planejamento rigoroso, mas pode ser desencadeada por eventos inesperados e circunstâncias fortuitas.
Um escritor pode encontrar uma frase impactante em uma conversa casual, ou um artista pode ser inspirado por uma cena que, à primeira vista, parece trivial, mas que possui camadas de significado não perceptíveis à primeira vista.
Ferrante acredita que obras “menores” têm o potencial de alcançar profundamente os leitores, assim como obras maiores. A conexão íntima muitas vezes é o que torna uma obra memorável, independentemente de sua escala.
O famoso exemplo de Isaac Newton e a maçã ilustra como uma simples observação pode levar a descobertas que atravessam décadas. O acaso, portanto, é um catalisador para a criatividade e também um lembrete de que as grandes ideias podem surgir de modos inesperados.
Além disso, a ideia de que tanto obras menores quanto grandes obras são impulsionadas pelo acaso nos faz reavaliar o que consideramos “grandeza” na arte. Muitas vezes, o valor de uma obra não está em sua escala ou em sua recepção crítica, mas em sua capacidade de provocar reflexão ou emoção.
O desafio é aprender a usar com liberdade a jaula na qual estamos presos
Essa frase de Ferrante provoca uma reflexão sobre a relação entre as restrições e a liberdade que permeiam o processo criativo. Tal perspectiva sugere que a liberdade pode ser encontrada não apenas na ausência de limitações, mas na capacidade de navegar dentro delas. Assim, podemos perceber como as estruturas que nos cercam podem, paradoxalmente, oferecer um espaço para a expressão criativa e a originalidade.
As “jaulas” que habitamos podem assumir várias formas: normas sociais, expectativas dos outros, obrigações profissionais ou limitações pessoais. Cada um desses elementos pode parecer restritivo, mas também pode servir como um ponto de partida para a criação. A chave está em como respondemos a essas limitações.
Muitas vezes, associamos liberdade à ausência de regras ou à possibilidade de agir sem qualquer tipo de imposição ou sem consequências ou julgamentos.
No entanto, a liberdade pode também ser entendida como a capacidade de fazer escolhas mesmo em contextos limitados. Na minha percepção, isso implica reconhecer que a liberdade não é simplesmente a eliminação de barreiras, mas também a habilidade de operar dentro delas.
Em vez de lutar constantemente contra as limitações, podemos encontrar maneiras de trabalhar com elas. Isso pode significar buscar novas abordagens ou redefinir o que consideramos possível.
Para quem procura dicas para escrever bem, a flexibilidade mental e a disposição para experimentar são importantes nesse processo. Ao aceitar e até mesmo abraçar as limitações, podemos descobrir novas oportunidades que, de outra forma, poderiam passar despercebidas.
O desafio de usar essa “jaula” também se relaciona com a ideia de resiliência. A vida é repleta de desafios e obstáculos, e a capacidade de adaptar-se a eles é uma habilidade muitas vezes ignorada. Essa resiliência não significa resignação, e sim uma abordagem proativa que busca encontrar o significado e o papel da escrita em circunstâncias limitantes.
Nenhuma linha deve se perder ao vento
A frase de Ferrante, ao dizer que “nenhuma linha deve se perder ao vento”, evoca a importância do registro e da preservação da palavra escrita e da expressão criativa. Cada palavra, cada frase, carrega consigo um significado que, se perdido, pode representar uma oportunidade desperdiçada de reflexão e conexão.
A escrita serve como um registro das ideias, emoções e narrativas que moldam as relações, nossa compreensão do mundo, os valores e memórias de uma época, a maneira como percebemos a realidade e as múltiplas perspectivas sobre a vida.
Quando consideramos que “nenhuma linha deve se perder”, somos levados a perceber que nossas palavras podem influenciar, provocar e inspirar, e é importante que tenhamos consciência do impacto que elas podem ter.
Além disso, também podemos pensar sobre a efemeridade da comunicação contemporânea. As redes sociais e os meios digitais podem criar uma cultura de superficialidade, em que as palavras são “lançadas ao vento” sem reflexão, o que difere da abordagem da autora quando se refere à busca pela escrita diligente ou impetuosa.
A ideia de não deixar as palavras se perderem ao vento pode ser vista também como um incentivo à autenticidade na escrita, visto que cada linha pode ter um propósito que nos leva a refletir sobre a importância de escrever com intenção.
Em vez de nos preocuparmos com a aceitação ou o julgamento alheio, os escritores devem se concentrar em expressar suas verdades e experiências de forma que suas visões se materializem e que possam ser esculpidas em vez de serem descartadas.
Isso implica também uma disposição para ouvir e aprender com diferentes perspectivas, reconhecendo que cada narrativa tem seu propósito e seu valor. Assim, é um compromisso com a nossa verdade e, em última análise, a busca para que nossas vozes e histórias não se percam, mas permaneçam vivas e pulsantes.
Espero que tenha gosta deste conteúdo sobre dicas para escrever bem. Aproveite para ler outros artigos do blog.